A foto que ilustra a capa da Folha de São Paulo da edição desta quarta-feira me reportou ao livro Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Fiquei sabendo da greve ontem de manhã na CBN. O repórter da rádio falava direto do Cemitério de Vila Formosa e presenciou os grevistas dentro dos túmulos. Tentei imaginar a cena, que somente hoje vi no clic que o fotógrafo Moacyr Lopes Jr. fez para a Folha Press.
Os motoristas do serviço funerário também aderiram à greve e, com isso, o serviço de transporte dos corpos de hospitais e IML para os velórios foi afetado. As famílias reclamavam que os corpos de parentes não estavam sendo transportados e, consequentemente, não conseguiam iniciar o velório.
Enquanto o acordo do sindicato da categoria com a Prefeitura não sai: os grevistas querem 39,79% e a prefeitura oferece 0,01%, os 1.366 servidores ativos prometeram suspender a greve nesta quarta-feira, porém a negociação continua.
Ao acompanhar esse movimento – justo – lembrei-me da greve deflagrada na sexta-feira 13 de dezembro de 1963 pelos coveiros de Antares – cidade fictícia em que se passa o último e genial romance de Érico Veríssimo: Incidente em Antares.
Num resumo rápido: naquela sexta-feira, 13, morrem sete pessoas na cidade: Quitéria Campolargo (a matriarca da cidade), Barcelona (um sapateiro anarquista), Cícero Branco (influente advogado), João Paz (jovem pacifista que foi impiedosamente torturado pela polícia) o genial Pudim de Cachaça (bêbado envenenado pela mulher) Menandro Olinda (pianista que se suicidou) e Erotildes (uma prostituta).
Como os coveiros impedem o sepultamento, os caixões são deixados do lado de fora do cemitério. À noite, os mortos acordam e ficam indignados por ainda estarem insepultos. Os defuntos fazem uma sinistra procissão até o coreto da cidade onde passam a vasculhar a intimidade de parentes e amigos. Como já estão mesmo mortos, podem dizer o que quiserem sem temer represálias.
Bem, em Antares havia somente um cemitério. Em São Paulo, 22. Se essa greve pega mesmo, fico imaginando a quantidade de insepultos que passarão a circular pelo trânsito congestionado das ruas e avenidas de São Paulo com destino à Praça da Sé para reivindicarem seu sepultamento.
Se isso acontecer, aqueles fantasmas que habitam os meandros do nosso serviço público têm que tomar cuidado, pois vai que, como no romance de Veríssimo, os mortos que já estão mesmo mortos resolvam botar a boca no trombone e revelar de vez onde estão escondidos todos os fantasmas desse nosso Brasil/Antares.
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