sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Perder, ganhar, viver


No dia 5 de julho de 1982 o Brasil inteiro sofreu com o “desastre de Sarriá”. A nossa melhor seleção deixava Copa da Espanha depois de disputar – e perder – um dos mais emocionantes jogos da história. Para o Brasil bastava empate contra uma Itália até então capenga. Mas, da caixinha de surpresas do futebol, como num passe de mágica, saltou um certo Paolo Rossi.

No dia 21 de julho de 1982, Carlos Drummond de Andrade brindou seus leitores do Jornal do Brasil com a crônica Perder, ganhar, viver. O Chico Caruso fez a caricatura, que reproduzo aqui no blog.

Lembrei-me desta crônica e falei entusiasticamente com a amiga Elisabete que trabalha comigo sobre o seu conteúdo e a delícia que era ler Drummond. Você conhece essa crônica, Bete? De quando é? Saiu no Jornal do Brasil em 1982. Dirceu! Eu nasci em 1983. Huummmm. Disfarça, vira a página.

Bete querida, corri à internet e achei a crônica e a caricatura dos mestres.

Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas...

Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.

Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.

Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.

E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ESTRAFEGO


É uma vontade de entreter
O palhaço neste circo
Que, já na lona,
Insiste em ficar à tona.

É uma vontade de correr
Cigano neste circo
E ser picadeiro
E viver o sonho derradeiro.

Ah! ... (uma contra vontade)

Um ligar botões
E preguiçosamente
Esparramar-me na poltrona
E ver o circo pegar fogo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Oswald de Andrade: o culpado de tudo

A nova exposição temporária do Museu da Língua Portuguesa celebra a obra de Oswald de Andrade, um dos mais controversos escritores brasileiros. 

A curadoria é de José Miguel Wisnik, com a curadoria-adjunta de Cacá Machado e Vadim Nikitin, e consultoria de Carlos Augusto Calil e Jorge Schwartz. O projeto expográfico é de Pedro Mendes da Rocha.

A frase “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas”, escrita pelo escritor em 1933 no verso da folha de rosto da edição original de Serafim Ponte Grande, foi o ponto de partida dos idealizadores da exposição. Em Oswald de Andrade: o culpado de tudo, o público terá a oportunidade de conhecer profundamente o polêmico escritor, um dos criadores da Semana de Arte Moderna.

Wisnik conta que “o projeto teve por objetivo organizar uma exposição sobre Oswald de Andrade, reforçando seu papel decisivo para a formação da cultura contemporânea e destacando a consistência de sua obra, de maneira a que a sua atualidade esteja patente sem que se perca de vista a situação histórica em que ela foi gerada.”

A exposição contempla três dimensões de leitura: poética, Histórico-biográfica e filosófica. Essas dimensões não devem ser entendidas como “partes” em que se divide a exposição, mas como níveis de manifestação da vida-e-obra que se articulam de maneira inseparável no processo expositivo.

Dimensão Poética: Não se falará estritamente de poesia, mas da poética da forma, do envolvimento com a linguagem em todos os seus aspectos. Oswald é um escritor muito próximo das artes visuais, pioneiramente consciente das implicações técnicas trazidas pela reprodutibilidade da arte, dialogando com a fotografia, o cinema, o cartaz. A exposição terá como ponto de partida os princípios formais que ele mesmo traçou no Manifesto da Poesia Pau-Brasil: agilidade, síntese, equilíbrio geômetra, acabamento técnico, invenção e surpresa.

A condensação do pensamento em frases e boutades, a verve anedótica, a paródia, o fragmento, o design, o reclame, a espacialização das palavras na página, são, todos, procedimentos de economia verbal, altamente visualizáveis, de cuja agilidade dessacralizante a exposição não ficará a dever.

Dimensão Histórico-biográfica: Poucos escritores têm, como Oswald, uma biografia que é também um diagrama de seu tempo. O jovem burguês viajante boêmio acompanhando in loco os movimentos da vanguarda europeia nos anos 10; o artífice do movimento modernista e agitador antropofágico, poeta e autor de narrativas experimentais na década de 20; o dilapidador de fortuna arruinado pela crise de 29, militante comunista editando O Homem do Povo, “casaca de ferro da Revolução Proletária”, escrevendo romance cíclico e teatro cáustico na década de 30; o intelectual em ruptura com a ortodoxia estalinista, retomando a vertente utópica do seu pensamento em textos de fôlego discursivo e filosofante, nos anos 40, e condenado ao ostracismo na fase final, até a morte em 1954, são figuras gritantes dos grandes temas ideológicos da primeira metade do século XX, indo da belle époque ao segundo pós-guerra.

Duplas criativas, formadas a cada momento entre Oswald e Mário, Oswald e Tarsila, Oswald e Blaise Cendrars, Oswald e Pagu, Oswald e Flavio de Carvalho, são significativas dos trânsitos culturais envolvidos, e são objeto de tratamento expositivo. Os espaços do hotel, do automóvel, da garçonnière, do navio, da ferrovia e da estação de trem, sempre em forte ligação com a cidade São Paulo, e redobrados pela própria inserção do Museu da Língua na Estação da Luz, têm um valor decisivo para a concepção espacial da exposição.

Dimensão Histórico-biográfica: Oswald de Andrade é um pensador original da cultura contemporânea e da inserção original do Brasil nesse quadro. A exposição deve contrapor-se a toda e qualquer visão epidérmica desse pensamento, ressaltando o que há de rigoroso e radical nos seus critérios, mesmo quando sob a forma do epigrama, que Oswald leva a consequências inéditas. Sua influência marcante a partir dos anos 60, graças às intervenções fortes da poesia concreta, do Teatro Oficina e do movimento tropicalista, pode ser entendida também pelo que havia de antecipatório em suas ideias: questões como as do sentimento órfico contra o produtivismo prometeico encontram-se depois no Eros e civilização de Herbert Marcuse; a ideia da revolução sexual e da utopia do matriarcado se vê em Wilheim Reich; o primitivismo tecnológico pode ser reconhecido na “aldeia global” de McLuhan.

A exposição fica em cartaz até o final de janeiro de 2012. Espero vocês lá.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Quer trocar seu carro por um passe vitalício?

... É só ir até a cidade de Múrcia, na Espanha. A prefeitura local adotou uma medida inusitada para incentivar seus cidadãos a adotarem o transporte público e, com isso, amenizar o caos no trânsito. Qualquer murciano que entregar seu carro quitado, novo ou velho, ganhará um bilhete de trem para o resto da vida.

O projeto foi batizado como Mejor en Tranvía e foi precedido por uma intensa campanha nas mídias sociais. Os primeiros carros trocados pela passagem vitalícia foram expostos em algumas ruas da cidade e, gradativamente, desmontados por mecânicos. Alguns veículos foram dispostos no centro da cidade com o propósito de chamar a atenção para a falta de estacionamento no local.

Múrcia tem apenas 380 mil habitantes. Assim fica fácil.

Imagina o Kassab implantando um projeto como esse aqui em São Paulo. Você trocaria seu carro por um bilhete único para toda a vida para os Trens da CPTM e Metrô? São Paulo tem cerca de 6 milhões de veículos. Se tirarmos os motoristas de dentro desses carros e os colocarmos no transporte público num final de tarde, imagina como é que vai ficar o metrô para a Zona Leste? 

domingo, 2 de outubro de 2011

O sequestro do Santa Maria

Na sexta liguei para o meu amigo Ludenbergue Góes.

E aí, Góes? Quando será o lançamento de O sequestro do Santa Maria – um sonho de liberdade? Eu quero o seu autógrafo no livro... e também aproveitar a efeméride para encontrar um monte de amigos... e beber muito vinho!

Do outro lado, Góes soltou a frase que eu não queria ouvir: ah, Dirceu, eu não gosto deste negócio de noite autógrafos. Poxa, Góes, você tem mais é que fazer uma noite festiva para lançar o livro. Não gosto desse negócio – insistiu.

Bem, ao final do nosso papo ele se quedou: vou ver com a editora.

Góes querido, escrever um livro, conseguir uma editora e publicá-lo só tem graça se tiver noite de autógrafos. Faz parte. Você não tem como fugir. Mas enquanto não rola essa noite, vou antecipar aqui a pérola que você lapidou: o sequestro do Santa Maria. Muita gente não deve a mínima noção que sequestro foi esse. Entonces, segue um introito para aguçar a curiosidade de quem quiser saber como essa história terminou:

O sequestro do navio Santa Maria aconteceu na madrugada de 22 de janeiro de 1961. O transatlântico “Santa Maria” – um dos dois mais luxuosos navios de Portugal – navegava pelo mar do Caribe, levando a bordo mais de 600 passageiros de diversas nacionalidades e 350 tripulantes portugueses. O que deveria ser um alegre e tranquilo cruzeiro marítimo transformou-se numa epopeia que poderia ter mudado a história da península ibérica. Pelo menos era esse o objetivo dos sequestradores.

“A maior parte da tripulação e dos passageiros dormia. De repente, as duas portas da ponte se abrem ao mesmo tempo e dois grupos armados invadem a sala iluminada apenas pelos instrumentos de navegação, um a bombordo, outro a estibordo. Há um rápido tiroteio e, acesas as luzes, o terceiro piloto e o navegador estão caídos, gravemente feridos. Poucos minutos depois, o navio está nas mãos de um grupo formado por portugueses e espanhóis que pretendiam levá-lo, sigilosamente, para África e de lá iniciar um movimento para derrubar as ditaduras de António de Oliveira Salazar, em Portugal, e Francisco Franco, em Espanha.”

“Colocando os sentimentos humanitários acima dos objetivos políticos, para proporcionar assistência médica adequada aos feridos, os sequestradores alteraram a rota prevista, permitindo a sua localização e perseguição por navios e aviões de vários países.”

“A epopeia veio a terminar no Brasil, com a entrega do navio, mas, durante 13 dias, o “Santa Maria” foi notícia nos jornais de quase todo o mundo e a “Operação Dulcinéia” atingiu um dos seus objetivos, chamando a atenção do mundo inteiro para a falta de liberdade em Portugal e Espanha.”

Essa história poderia cair no esquecimento se o amigo Góes não se dispusesse a contá-la em todos os detalhes. Para saber como a história irá terminar, é só comprar o livro O sequestro do Santa Maria – um sonho de liberdade em alguma livraria ou esperar que o amigo ou sua editora (a Cia. dos Livros Editora) promova uma noite de lançamento para que a gente não só pegue o seu precioso autógrafo, mas, também, tome aquele vinhozinho e fique jogando conversa fora enquanto o amigo aguenta a fila que inevitavelmente se formará, mesmo contra a sua vontade.

Sucesso Góes!