quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Oswald de Andrade: o culpado de tudo

A nova exposição temporária do Museu da Língua Portuguesa celebra a obra de Oswald de Andrade, um dos mais controversos escritores brasileiros. 

A curadoria é de José Miguel Wisnik, com a curadoria-adjunta de Cacá Machado e Vadim Nikitin, e consultoria de Carlos Augusto Calil e Jorge Schwartz. O projeto expográfico é de Pedro Mendes da Rocha.

A frase “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas”, escrita pelo escritor em 1933 no verso da folha de rosto da edição original de Serafim Ponte Grande, foi o ponto de partida dos idealizadores da exposição. Em Oswald de Andrade: o culpado de tudo, o público terá a oportunidade de conhecer profundamente o polêmico escritor, um dos criadores da Semana de Arte Moderna.

Wisnik conta que “o projeto teve por objetivo organizar uma exposição sobre Oswald de Andrade, reforçando seu papel decisivo para a formação da cultura contemporânea e destacando a consistência de sua obra, de maneira a que a sua atualidade esteja patente sem que se perca de vista a situação histórica em que ela foi gerada.”

A exposição contempla três dimensões de leitura: poética, Histórico-biográfica e filosófica. Essas dimensões não devem ser entendidas como “partes” em que se divide a exposição, mas como níveis de manifestação da vida-e-obra que se articulam de maneira inseparável no processo expositivo.

Dimensão Poética: Não se falará estritamente de poesia, mas da poética da forma, do envolvimento com a linguagem em todos os seus aspectos. Oswald é um escritor muito próximo das artes visuais, pioneiramente consciente das implicações técnicas trazidas pela reprodutibilidade da arte, dialogando com a fotografia, o cinema, o cartaz. A exposição terá como ponto de partida os princípios formais que ele mesmo traçou no Manifesto da Poesia Pau-Brasil: agilidade, síntese, equilíbrio geômetra, acabamento técnico, invenção e surpresa.

A condensação do pensamento em frases e boutades, a verve anedótica, a paródia, o fragmento, o design, o reclame, a espacialização das palavras na página, são, todos, procedimentos de economia verbal, altamente visualizáveis, de cuja agilidade dessacralizante a exposição não ficará a dever.

Dimensão Histórico-biográfica: Poucos escritores têm, como Oswald, uma biografia que é também um diagrama de seu tempo. O jovem burguês viajante boêmio acompanhando in loco os movimentos da vanguarda europeia nos anos 10; o artífice do movimento modernista e agitador antropofágico, poeta e autor de narrativas experimentais na década de 20; o dilapidador de fortuna arruinado pela crise de 29, militante comunista editando O Homem do Povo, “casaca de ferro da Revolução Proletária”, escrevendo romance cíclico e teatro cáustico na década de 30; o intelectual em ruptura com a ortodoxia estalinista, retomando a vertente utópica do seu pensamento em textos de fôlego discursivo e filosofante, nos anos 40, e condenado ao ostracismo na fase final, até a morte em 1954, são figuras gritantes dos grandes temas ideológicos da primeira metade do século XX, indo da belle époque ao segundo pós-guerra.

Duplas criativas, formadas a cada momento entre Oswald e Mário, Oswald e Tarsila, Oswald e Blaise Cendrars, Oswald e Pagu, Oswald e Flavio de Carvalho, são significativas dos trânsitos culturais envolvidos, e são objeto de tratamento expositivo. Os espaços do hotel, do automóvel, da garçonnière, do navio, da ferrovia e da estação de trem, sempre em forte ligação com a cidade São Paulo, e redobrados pela própria inserção do Museu da Língua na Estação da Luz, têm um valor decisivo para a concepção espacial da exposição.

Dimensão Histórico-biográfica: Oswald de Andrade é um pensador original da cultura contemporânea e da inserção original do Brasil nesse quadro. A exposição deve contrapor-se a toda e qualquer visão epidérmica desse pensamento, ressaltando o que há de rigoroso e radical nos seus critérios, mesmo quando sob a forma do epigrama, que Oswald leva a consequências inéditas. Sua influência marcante a partir dos anos 60, graças às intervenções fortes da poesia concreta, do Teatro Oficina e do movimento tropicalista, pode ser entendida também pelo que havia de antecipatório em suas ideias: questões como as do sentimento órfico contra o produtivismo prometeico encontram-se depois no Eros e civilização de Herbert Marcuse; a ideia da revolução sexual e da utopia do matriarcado se vê em Wilheim Reich; o primitivismo tecnológico pode ser reconhecido na “aldeia global” de McLuhan.

A exposição fica em cartaz até o final de janeiro de 2012. Espero vocês lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário