Ao acordar hoje neste belo e ensolarado feriado de Corpus Christi, lembrei-me dos tempos de Aparecida. Enfeitar as ruas para a procissão era quase um concurso. Mobilizava todos os moradores do bairro e cada um queria fazer de sua rua a mais bonita para ganhar um troféu que não existia.
Começávamos a nos juntar no final das frias madrugadas de inverno. Sim, havia inverno naquele tempo. A ansiedade despertava todos nós. O primeiro passo – previamente combinado – era que cada um cuidasse de levar um ingrediente para a produção daquela arte coletiva: pó de café, flores, pedras, areia e – muito – pó de serra. Este último cabia a mim, posto que meu pai era marceneiro e produzia muito pó de serra em variados tons.
À tarde lá vinha a procissão “se arrastando que nem cobra pelo chão” e, para minha tristeza, desmanchando a arte que todos nós nos esforçáramos para produzir. Mas o que fazer? Aquela arte era criada exatamente para aquele objetivo.
Ao me lembrar destas histórias nesta manhã, lembrei do Clube de Esquina 2, de Milton Nascimento. Uma das mais belas canções daquele álbum é Paixão e Fé, de Tavinho Moura e Fernando Brant. Busquei o vinil e deixei a agulha ferir os sulcos da minha memória. Repeti diversas vezes. Para quem quiser ouvir esta jóia, deixo o link e a letra primorosa destes mineiros que – como eu – devem ter enfeitado muitas ruas capistranas lá nas Minas Gerais.
Paixão e Fé (Tavinho Moura e Fernando Brant)
Já bate o sino, bate na catedral
E o som penetra todos os portais
A igreja está chamando seus fiéis
Para rezar por seu senhor
Para cantar a ressurreição
E sai o povo pelas ruas a cobrir
De areia e flores as pedras do chão
Nas varandas vejo as moças e os lençóis
Enquanto passa a procissão
Louvando as coisas da fé
Velejar, velejei
No mar do Senhor
Lá eu vi a fé e a paixão
Lá eu vi a agonia da barca dos homens
Já bate o sino, bate no coração
E o povo põe de lado a sua dor
Pelas ruas capistranas de toda cor
Esquece a sua paixão
Para viver a do Senhor