segunda-feira, 4 de julho de 2011

Adeus, Mário Chamie

O meu café da manhã de hoje foi mais amargo. A rotina de ler o jornal vagarosamente trouxe aquela notícia que não gostamos de ler: Morre o poeta Mário Chamie, me contou a manchete.

Engoli a seco e minha memória me mandou correr à minha caixa de recordações para buscar o poema que Chamie emprestou para o espetáculo A Maçã de Eva, montado por Clarisse Abujamra em 1999. Eu fiz a produção gráfica e o poeta me enviou a pérola Virgindade, crime de sangue – que Clarisse dizia na peça – e que foi reproduzida por mim no catálogo do espetáculo. O poema chegou com a seguinte anotação do poeta:

Meu caro Dirceu Rodrigues: aí vai o meu poema Virgindade, crime de sangue completo. Bom espetáculo. Abraço Mário. São Paulo, 04/07/1999.

Ao rever a data, o susto foi maior. Enquanto lia o bilhete neste 4 de julho de 2011, o poeta Mário Chamie estava sendo velado no MIS doze anos após aquele bilhete.

Bem, saudoso Mário Chamie. Aquele encontro foi o nosso único nesta vida e o bastante para que eu pudesse admirá-lo, como poeta e como ser humano. A minha homenagem póstuma é deixar aqui registrado o teu poema para quem não viu a peça ou não conhece esta pérola lapidada pela sua pena.

VIRGINDADE, CRIME DE SANGUE

Miosótis neutro,
o antúrio
(clitóris teso)
floresce tarde
na haste
do desejo.

O crime de sangue
denso
por virgindade
exposta cedo
é a arte do ódio velho
de quem na rede
o fruto colhe
em tempo de fruto verde.

Fio vermelho,
quente é a vingança
do sangue alheio,
como quente é a serpente
de sangue
que o gozo da carne
expande.

Clitóris teso,
o antúrio
floresce tarde
na haste do desejo.

Mário Chamie

Nenhum comentário:

Postar um comentário