sábado, 15 de janeiro de 2011

My last Picture Shows

Cybill Shepherd em A última Sessão de Cinema
O cinema entrou na minha vida pela porta da Basílica Velha de Aparecida. Ser um garoto nos anos 60 na minha cidade significava frequentar o catecismo e assistir às missas do domingo. Quem o fizesse, ganhava um ingresso para a matinê do domingo às três da tarde. Ao final da missa, formávamos uma fila e Glória, nossa catequista, distribuía aquele precioso tesouro que nos levava a sonhar lá no Cine Aparecida. O filme do domingo era sempre precedido por seriados do Roy Rogers ou Nacional Kid, que continuavam na semana seguinte. Na maioria das vezes eram bem mais saborosos que o prato principal.

Na adolescência migrávamos para o Cine Ópera. Antes do início da sessão, fazíamos hora no Ouro Fino para um café, o mesmo point da pizza após a sessão. Neste cinema, cheguei a ver Mazzaropi na tela e ao vivo. Sim, ele foi promover um filme no Cine Ópera e lá estava eu espremido junto com metade da cidade. Lembro da cena do nosso Jeca entrando no palco caminhando como seus personagens e levando a platéia à loucura.

Em 1972, no mesmo Cine Ópera vi A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show), de Peter Bogdanovich. Naquele momento o filme entrou para a galeria dos meus prediletos, aliás, passou a figurar como o melhor que eu havia visto até então. Saí da sessão e as imagens me acompanharam por um bom tempo. Não tirava da cabeça a loirinha Cybill Shepherd, a futura gata de A Gata e o Rato. Por um bom tempo ela povoou os meus devaneios.

O que mais me chamou a atenção em A Última Sessão de Cinema foi o fechamento do Royal Theater – o cinema onde viviam os personagens antes de deixarem a pequena Anarene, cidade do Texas onde se passa a história. A falta daquele público fiel levou à inevitável última sessão de cinema do título.

Para mim seria inconcebível que um dia o mesmo ocorresse com os cines Aparecida e Ópera. Infelizmente aconteceu. Os dois cinemas da minha infância e juventude não existem mais. Eles fecharam bem depois que deixei a cidade rumo a São Paulo, em 1973. O Cine Aparecida se tornou uma extensão da Basílica, como casa de oração. O Ouro Fino continua no mesmo lugar, mas Cine Ópera deu lugar a uma agência da Nossa Caixa. Hoje, não existe nenhum cinema em Aparecida e os apaixonados pela sétima arte têm que recorrer a um shopping em Guaratinguetá, pois lá também os cines Central e Urânio se transformaram em duas mega lojas.

Quando cheguei a São Paulo me empanturrei. De pronto tracei um mapa e passei a frequentar os melhores cinemas da cidade: os cines Gazeta, Gazetinha e Gazetão; Cine Marachá, que às quartas-feiras apresenta Sessão Insólita e às sextas a Sessão Maldita; Cine Astor; Cine Paulistano e Biarritz, na Brigadeiro; Cine Majestic; o lindo Cine Bristol (que pegou fogo em 1987) com suas escadas sempre enceradas e suas armaduras na decoração; e o Belas Artes. Este último um dos meus prediletos, pois sempre cuidou de exibir uma programação impecável. Como no Cine Ópera, em Aparecida, nos anos 80/90 fazíamos ponto antes e depois da sessão no Baguette, do Hércules e João Pedro, ou na Livraria Belas Artes, de José Luiz Goldfarb.

O tempo, a TV e as locadoras foram aos pouco – como o Schwarzenegger – exterminando os nossos cinemas de rua. As salas foram sendo entrincheirados nos shoppings da cidade e as antigas salas transformadas em bingo ou igrejas evangélicas. O Belas Artes foi um dos que resistiram bravamente lá na esquina da Consolação com a Paulista... até esta esquina de 2011. A notícia de seu fechamento e as correntes para que isso não ocorra tomam conta dos amantes daquele espaço, no qual me incluo. O Belas Artes não pode fechar apenas pela ganância de Flávio Maluf, o atual herdeiro, que deseja abrir lojas no local. Será que este exterminador de cinemas – que deve ter muitas posses – não consegue viver com o aluguel (que não deve ser barato) do espaço?

Senhor Flávio Maluf, não pense em sua esquina apenas como um ponto comercial. Lembre que o Belas Artes é parte integrante da vida cultural da nossa cidade. Pare um pouco e pense. Por que o senhor não desiste de suas lojas? Se o senhor voltar atrás, com certeza será lembrado no futuro como o cidadão que salvou uma das trincheiras culturais mais importantes da cidade.

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