segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A guerrilha nos tempos do Facebook

No domingo à tarde entrei no meu Facebook e recebi uma mensagem da amiga Francesca Cricelli/Anna Magnani:
“ATENÇÃO: Guerrilha rápida >> trocar sua foto do perfil por um ator ou atriz de cinema, em prol do tombamento do Belas Artes.”

Rapidamente escolhi um dos meus ídolos da sétima arte: Woody Allen. Depois de me transformar no ator e diretor, disparei o recado para todos os meus amigos. Ao mesmo tempo, percebi que muitos já haviam trocado sua foto por atores e atrizes prediletos. Comecei então a curtir um por um e descobrir então os segredos de cada um.

O Frederico Barbosa se tornou o Humphrey Bogart; Bia Matta, a Jessica Lange; minha sobrinha Júlia, Audrey Hepburn; Cláudia escolheu Carmen Miranda; Donny mandou ver Leslie Nielsen, homenagem mais justa, pois ambos são dois verdadeiros palhaços; Erica Franco foi de Natalie Portman; Fernanda Galib trocou sua foto pela de Jennifer Connelly, talvez por saber que ela é uma da minhas atrizes prediletas; Cristina Nolli virou Cameron Diaz; Rachel Biderman assumiu Andie MacDowell, mesmo porque ela já foi confundida nos EUA com a própria; Malu foi de Chaplin, Fernanda Peres de Juliette Binoche e a mana Rose, de Susan Sarandon. Na dúvida, minha amiga Paula Zwicker optou por Christina Ricci porque este foi um de seus apelidos, tamanha a semelhança dela com a atriz da Família Adams. A Chita, do Tarzan, foi a escolha de Thea, que conheci hoje.

Enfim, a guerrilha está se disseminando na rede. Ninguém precisou pegar em armas para assaltar bancos e, com isso, garantir o aluguel estratosférico que o proprietário quer cobrar para manter no nosso Belas Artes lá na esquina da Consolação com a Paulista. Bastou um chamado para que todos os guerrilheiros se prontificassem a participar de mais esta batalha para que o nosso Belas Artes continue a existir.

Vai dar certo? Espero que sim. Como disse, esta é apenas mais uma batalha nesta guerra. Espero que a mídia também descubra e engrosse nossas fileiras. Afinal, quanto mais “atores e atrizes” entrarem nesta trincheira, maiores serão as chances que o Belas Artes não acabe e continue sendo o espaço ideal para vivermos todas as nossas fantasias.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Lavo o sangue com as mãos deste justo

No feriado do dia 25 passei o final de semana em Aparecida. No sábado à noite encontrei com Maurício e Dora lá no Ouro Fino – aquele restaurante da minha juventude que comentei no post My Last Pictures Shows, no dia 15 de janeiro. Fazia tempo que não encontrava o casal amigo daqueles nossos anos verdes. Imediatamente, comentei sob o blog e o post A paixão de Cristo segundo Padre Marino, onde relatei parte das histórias daquela inesquecível montagem do GUTU – Grupo União Teatral Umuarama. Aliás, no final prometi: A paixão de Cristo segundo Padre Marino continua noutro post, pois este centurião ainda tem muitas histórias dos bastidores para contar.

E é o que farei agora, mesmo porque o encontro com Maurício foi providencial para que eu pudesse sanar muitas dúvidas, sobretudo quanto ao nome dos atores e seus respectivos papéis. Eu não lembrava, por exemplo, que Altair Turíbio, embora não tivesse o physique du rôle para interpretar o Nazareno, foi o escolhido para esta empreitada por ser locutor da Rádio Aparecida e, consequentemente, por ter aquela voz empostada FM de ser.

Turíbio era mais velho, profissional conceituado e com salário de gente grande, coisa que não acontecia com mais da metade daquele grupo adolescente, que vivia da mesada do pai. Como ele gostava de um uísque, e para atenuar o nervosismo de sua estreia na ribalta, contratou um garoto para ficar com o balde de gelo, a garrafa e o copo. Toda vez que o Nazareno/Turíbio saía de cena, o garoto estava lá na coxia com o copo estendido. Um gole rápido goela adentro e lá voltava Turíbio para a cena. A garrafa secou antes do fim da temporada.

Outra cena hilária que aconteceu no dia da estreia foi a do julgamento de Jesus e Barrabás (interpretado pelo Índio). Maurício fazia Pilatos e após dizer: "Quem é que vocês querem que eu solte: Jesus ou Barrabás?”, o povo – representado por uns 30 figurantes que ficavam no canto esquerdo da platéia, dois metros abaixo do palco – passou a gritar Barrabás, Barrabás. Índio decidiu então improvisar e saiu correndo em direção ao povo gritando todo feliz: “obrigado meu povo, obrigado meu povo”. E, para a surpresa de todo mundo, se atirou lá de cima do palco direto para os braços dos figurantes. Como o povo sofre. Não me lembro se alguém se machucou. Ao final da apresentação, Índio recebeu uma broca do diretor Padre Marino e nas duas seguintes apresentações não mais improvisou.

A cena continuou com a cena clássica em que o nosso Pilatos/Maurício lava as mãos. O nervosismo também tomou conta do nosso Pilatos/Maurício que errou justamente a frase que metade do planeta sabe de cor: “Lavo o sangue com as mãos deste justo.” Da plateia, é claro, veio aquele burburinho, pois todos haviam sacado que aquele não era bem o texto que Maurício deveria dizer. Que mico, hein Maurício?

Outra cena inesquecível é a do final. Amarrado na cruz, o mau ladrão Gestas/Tadeu dá a seguinte fala: “malditos romanos que me pregaram e me crucificaram”, seguido de uma cuspida nos soldados ao pé da cruz. Junto com ele estavam a Tutuza (Maria) e Terezinha Galvão (Maria Madalena). Tadeu se entusiasmou e o que deveria ser uma simples cuspida virou uma catarrada, que acertou na mosca, digo na orelha de Maria Madalena, que com as mãos postas como requeria a cena, disse com os lábios sem emitir qualquer som: “Tadeu, seu fdp, você me paga”.

Na sequência, o gran finale. Após a morte de Jesus, a sonoplastia solta a música grandiosa seguida de raios e trovões acentuado pela iluminação. A cortina se fecha. Aplausos. Abre. Mais aplausos. Fecha e abre. Fecha e abre... e fecha. Todo o elenco se cumprimentando em suprema felicidade devido ao sucesso, enquanto a direção de palco ajuda Jesus, Gestas e Dimas descerem da cruz onde estavam amarrados.

Apesar de o espetáculo ter terminado, Olavo, que fazia o Dimas (o bom ladrão) continuou imóvel lá no alto da cruz. A gente lá de baixo: “Olavo, pode parar de representar, o espetáculo acabou.” E nada. Olavo continuava mortinho da silva, como o fizera na cena final. “Olavo, Olavo...” Só então percebemos que ele tivera um mau súbito lá em cima e estava um tanto “desmaiado”. Foi aquele corre corre para socorrê-lo com sal e uns tapinhas na cara. “Onde estou, onde estou?”, disse ao recuperar a consciência.

Faltou dizer que fizemos uma sessão extra para os soldados da aeronáutica em Guaratinguetá. Montamos o palco num praticável montado no pátio, pois não havia teatro lá na Escola de Especialistas da Aeronáutica. Então, a iluminação teve que ser feita de baixo para cima, por todos os lados do palco. Aquele batalhão de soldados se acomodou  em cadeiras e lá fomos nós representar A Paixão de Cristo. Lá pelas tantas, Tutusa, que fazia Maria entra em cena com um vestido branco de cetim, iluminada por detrás do palco... de baixo para cima. Não deu outra, a iluminação realçou seu corpo, revelando as roupas íntimas. Os soldados sibilaram em uníssono ssssssssss. Tutusa caiu em prantos e foi difícil convencê-la retornar ao palco. Fecha o pano: rápido!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ana Luísa, de Barranquilla

Analu clicada pelo padrinho Gustavo
Minha sobrinha Ana Luísa acaba de chegar das terras de García Marquez. Visitou Barranquilla e Aracataca – a Macondo do Cem Anos de Solidão, do Gabo. Foi a sua primeira viagem internacional. Gostei de sua determinação. Botou na cabeça que iria fazer essa viagem, trabalhou dobrado, juntou um dinheirinho e foi fazer a rota dos Cem Anos. Morri de inveja. Gabriel García Marquez é um dos meus escritores prediletos e nunca passou pela minha cabeça um dia fazer essa viagem. Viajei apenas nos livros, desde sempre.

Hoje abri o blog da sobrinha (http://novavelhaestoria.blogspot.com/2011/01/volver.html) e li o post post travel, que reproduzo aqui:

“(tem que saber que eu quero é correr mundo, correr perigo)

é tão estranho chegar e mais estranho ainda partir.
porque parece que viver é se enfiar nas escolhas até seu caminho ficar um só que até sufoca.

e viajar é voar. é olhar para o céu e se sentir pequeno ou mergulhar e ter medo da imensidão do mar. viajar é presente, é esquecer o porvenir. sempre o porvenir.

acho que escolho mergulhar todos os dias, nadar no sentido contrário do mundo.

não me enfiar, me soltar. voar.”

Ana Luísa querida, depois de ler esse seu post lembrei de um poema que fiz há muito tempo chamado Re-evolução (vou manter o título, pois ele foi criado antes da reforma ortográfica). Incrível, mas tem tudo a ver com as tuas palavras:

RE-EVOLUÇÃO (8 de dezembro de 2001)

É sempre bom voltar
Mesmo que não se tenha partido
Mesmo que não se goste de partir                     
Mas partimos sempre

Quantas vezes partimos
Deixando-nos à deriva
Tornando-se irreconhecível
o nosso redor

Então, acontece o vazio
Não nos achamos e nos perdemos
Cada vez mais

Nesta hora avaliando nossa vida
Descobrimos uma palavra: MATURIDADE
É ela que vai nos mostrar
O caminho de volta
Mesmo que, quando voltarmos
Não seja mais aquele
O nosso lugar.

É isso querida, divido os nossos blogs com todos os nossos leitores e como disse Bandeira em seu sublime Lua Nova: “todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir. Hei de aprender com ele a partir de uma vez. Sem medo, sem remorso, sem saudade."

PS: não resisti em ilustrar este post com a sua foto que dormiu na minha gaveta de recordações durante todos estes anos. O clic é do teu padrinho Gustavo que um dia também partiu por esse mundão.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Um 25 de janeiro para Jobim & São Paulo

Hoje é o aniversário de 457 anos de São Paulo e também a dada de nascimento de Tom Jobim, que faria 84 anos. Não deu outra. Botei uma seleção de Tom na vitrola. Isso mesmo, na vitrola. Eu, felizmente, guardo os meus vinis e minha coleção Jobimniana está quase completa. Comecei com Stone Flower, passei por Urubu, Terra Brasilis e Matita Perê.

Almocei ao som do maestro soberano de Chico. Ao mesmo tempo, dei um search na internet e li um monte de coisas sobre Tom. Fui das entrevistas às frases e textos. Um texto me chamou a atenção e me reporto ao post deste blog no dia 16 de janeiro: Ai, Dindi, por que você foi embora? (http://dirceurodrigues.blogspot.com/2011/01/ai-dindi-por-que-voce-foi-embora.html). Lá eu falava da destruição do sítio Poço Fundo pelas águas de janeiro.

Neste texto do site oficial de Tom, o maestro também fala de seu refúgio na serra fluminense: “Várias canções foram feitas lá em Poço Fundo, como a "Estrada do sol", que posteriormente ganhou uma letra de Dolores Duran. Todas essas canções e sambas foram feitas sem o piano, porque eu não tinha piano lá. Naquele tempo não tinha nem luz elétrica. Foi tudo composto no violão.

Eu morava numa casa na beira do caminho, uma casinha precária, e estava construindo uma maior, no alto do morro. A casa tem que ser feita num lugar alto, arejado, em soleira. Comprei o terreno baratinho, construí uma casa boa, custou 120 tupiniquins, um negócio baratíssimo, uma casa ótima, colonial, telhado com aquelas telhas velhas e aquelas vigas de madeira de lei que eu encontrei num desmonte. No estado do Rio, tem muita fazenda que foi desmontada e ficaram aquelas madeiras que não existem mais nas florestas daqui: maçaranduba, roxinho, peroba-do-campo e tudo o mais. Aquilo tudo ficou exposto ao tempo, jogado fora.

Aquilo vem do tempo da escravatura. Depois que acabou o café, acabou tudo, aquelas madeiras foram usadas como lenha. Aquelas vigas imensas ficaram ali deitadas ao relento. Eu comprei aquilo a preço de banana, mandava o caminhão lá, pegava aquelas vigas, e contruí a casa com aquelas madeiras de lei que a gente morre, os filhos morrem, os netos morrem e aquela madeira fica lá. O bicho não consegue comer. É uma madeira fortíssima.

Aqui em casa, por exemplo, deu cupim, mas ipê não é comestível, não dá para morder. "Águas de março" nasceu assim. Foi feita em março, quase à entrada do outono. "E a terra ressequida bebera longamente a água da estação. E Fernão Dias entrou pelo sertão". Isso foi o Olavo Bilac que contou. É uma tradução poética. Depois, o americano me disse que as águas de março são as águas do degelo, quando os rios ficam parados, então aqueles rios começam a andar, e andam carregando aquelas pedras imensas de gelo. Aqueles rios do norte dos Estados Unidos, do Canadá. Essas são as águas de março para eles. Eu não pensei nisso, não fiz para isso.”

Vejam que Tom foi o pioneiro a falar sobre o meio ambiente. Desde sempre o tema esteve presentes nas entrevistas, nos textos e, sobretudo, em seu modo de vida e nas consequentes canções que nos legou.

Tom Jobim e São Paulo fazem aniversário neste dia 25 de janeiro. Ambos são duas paixões da minha vida. São Paulo – a minha realidade – é o local onde um dia sonhei viver e vivo desde 1973. Apesar dos tantos pesadelos e sobressaltos que a cidade me impõe cotidianamente, eu continuo vivendo por aqui. Confesso que toda vez que o fantasma da partida me ronda eu me pergunto: mas partir para onde? Por que deixar a cidade? São Paulo, você é o meu vício e não há remédio que me cure de você. Não dá para imaginar viver num outro lugar, assim como não dá deixar de ouvir as músicas que seu parceiro de aniversário fez para embalar todos os meus sonhos.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A paixão de Cristo segundo Padre Marino

Dirceu, fala alguma coisa! Falar o quê? Qualquer coisa!

Depois desta corda, desembestei a falar até Maurício Maciel me interromper. Está bom, você tem voz boa, vem fazer teatro com a gente no GUTU – Grupo União Teatral Umuarama. Este foi o teste que fiz num banco da Praça São Benedito em 1971 para a minha – supunha – futura e brilhante carreira de ator. O GUTU, dirigido por Maurício e Olavo, e o Grupo de Teatro do Colégio Américo Alves, dirigido por Fausto Padilha, eram os únicos em atividade em Aparecida naqueles distantes anos 70.

Participar do GUTU era um dos meus sonhos. Integrá-lo significava bem mais que o sonho de atuar. Tínhamos todos um comprometimento que extrapolava o proscênio. Para botar de pé nossas montagens, era necessário fazer cash, pois patrocínio era algo inexistente naquela época. Como o fazíamos? A principal fonte de renda era a barraca do GUTU na tradicional festa de São Benedito, que até hoje acontece na cidade no primeiro domingo após a Páscoa.

Durante uma semana o diretor, atores, técnicos e, claro, as namoradas se revezavam para vender cachorro quente, cerveja e refrigerante na barraca do GUTU. O resultado financeiro ia para o nosso caixa e significava também o respaldo para contratarmos peças com atores profissionais de São Paulo, que, vez ou outra, dava um lucrinho que engordava o caixa do grupo. Para se ter uma idéia, o maior sucesso da Capital que levamos para a cidade foi A Vinda do Messias, texto premiado de Timochenco Wehbi, com a soberba Berta Zemel, que ganhou com esta peça todos os prêmios de melhor atriz de 1971.

A minha estréia no GUTU aconteceu em O Boi e o Burro a Caminho de Belém, de Maria Clara Machado. A peça conta a história do nascimento do Menino Jesus, narrada por um Boi (Tadeu) e um Burro (Maurício), os dois astros do grupo. Eu fazia um reles pastor que tocava seu rebanho ao som de uma flauta, que ficava presa ao cinto do meu figurino. Numa das apresentações, a técnica soltou o play back um pouco antes da marcação da cena e este dublê de flautista correu desesperado para pegar seu instrumento e levá-lo à boca, para diversão da plateia, muitos compassos depois.

A peça seguinte foi produzida e dirigida pelo saudoso padre Marino Plentz. A congregação dos padres redentoristas, que administra as igrejas do santuário de Aparecida, bancou A Paixão de Cristo, montada com pompa, circunstância e grande elenco para ser exibida em três sessões durante a Semana Santa no Cine Aparecida.

Então, pela primeira vez o GUTU não precisou recorrer a seu caixa para esta produzir esta mega montagem. E, também, foi a primeira vez que seu elenco teve que ser acrescido por um sem número de atores e figurantes, posto que a saga da paixão de Cristo requeria muitos atores para interpretar os inúmeros personagens que todos conhecemos: Cristo, Maria, Maria Magdalena, Pedro, João, Judas, Pilatos, Barrabás, Caifaz, Dimas (o bom ladrão), Gestas (o mau ladrão) e Longinus, entre outros. Este último o centurião romano que fincou a lança em Cristo em sua agonia final na cruz para certificar de sua morte.

Qual o meu personagem? Ele mesmo: Longinus. Até hoje não imagino porque me escalaram para viver o centurião romano, afinal, quando os espectadores olhavam para o meu físico desde sempre “pele e osso e simplesmente quase sem recheio” não sabiam quem era mais magro: eu ou a lança. Aliás, meu figurino era o máximo: aquela saia de centurião romano, capa púrpura, capacete, espada à cintura, sandália com apliques que imitavam uma bota e a indefectível lança empunhada solenemente à direita do meu corpo, como nas histórias do Asterix.

O primeiro ensaio geral quase parou quando o ator que interpretava o Judas – escalado devido a sua "beleza" e sem nenhuma experiência anterior em cena – soltou a seguinte pérola: Judas entra, olha a platéia e sai. Evidente que ele não tinha mínima noção do que significava a rubrica de um texto teatral, mesmo que estivesse grafado entre parênteses. Entrou em cena, deu a fala e saiu para a coxia. O ensaio parou. O elenco caiu na gargalhada e foi difícil para o Padre Marino retomar o pulso do ensaio.

No dia da estréia paguei o maior mico da minha vida. Sem eu saber que haviam combinado antes, o elenco decidiu me pregar uma peça. Ficou estabelecido que todos deveriam acompanhar a procissão da semana santa a caráter. Como a procissão passava na porta da minha casa, decidi: na hora em que ela chegar eu entro. E foi o que fiz. Lá pelas cinco da tarde lá vinha a procissão “se arrastando que nem cobra pelo chão”. Aquela cantoria e reza toda e eu Longinus entrei sorrateiramente, procurando pelos meus companheiros de elenco.

A procissão foi me arrastando e nada de eu achar os meus pares “fantasiados” para a ocasião. Todo mundo me olhava esquisito e lá ia eu com a minha espada e lança querendo achar um buraco para me enfiar. E nada do buraco. A procissão prosseguia com o povo cantando e rezando... e nada do elenco. Quando entramos na rua do Cine Aparecida lá estavam os amigos do GUTU, todos com seus figurinos debaixo do braço, me apontando e morrendo de rir daquele desengonçado centurião romano. Saí da procissão e entrei em cena. Ao final, depois do grande sucesso da estreia, voltei do teatro para casa de Longinus.

A paixão de Cristo segundo Padre Marino continua noutro post, pois este centurião ainda tem muitas histórias dos bastidores para contar.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Ai, Dindi, por que você foi embora?

Em 1997 fui passar uma semana em numa pousada em Trancoso, na Bahia. Levei comigo um livro que acabara de ganhar: Um Homem Iluminado, biografia de Tom Jobim escrita pela irmã Helena. Li em dois dias, pois não conseguia parar. Vez ou outra me emocionava com alguma passagem e retornava ao início do parágrafo para que ela ficasse cravada em minha memória e o tempo não a apagasse.

Helena Jobim contou muitas histórias que se passaram no sítio Poço Fundo, em São José do Vale do Rio Preto, onde Tom se refugiava para curtir a natureza exuberante e compor muitas pérolas de seu repertório. Lá nasceram, entre outras, Águas de Março, Matita Perê e Dindi. Esta última, a montanha que Tom vislumbrava de seu sítio e para a qual o compositor cantou uma das suas mais belas canções: Se um dia você for embora me leva contigo, Dindí.

Hoje li no site do Estadão, que o Poço Fundo é mais uma das vítimas das águas de janeiro que caem furiosas na serra fluminense. O refúgio do maestro desapareceu em duas horas. O jornal falou com o neto Daniel que chegou a ver a casa do avô cair. Daniel disse também que as músicas do avô soam como "proféticas”. Jobim foi um dos pioneiros a falar sobre o perigo do desmatamento e sobre a preservação da natureza. Cantou o urubu, o matita perê, o boto e o Passarim que “quis pousar não deu voou, porque o tiro partiu e não pegou”.

Ao final da matéria Daniel fala que depois da destruição do Poço Fundo pelas enxurradas de janeiro, Águas de Março, composta lá, soa agora como uma previsão: "É pau, é pedra, é o fim do caminho / É um resto de toco/ é um pouco sozinho."

Na sexta-feira, o Diário de São Paulo abriu duas páginas com imagens lado a lado de uma enchente na Alemanha e da destruição de Teresópolis. Em Colônia, o rio Reno subiu, mas os alemães se precaveram com barreiras que impedem que alguém seja levado pela enxurrada.

Aqui no Brasil, a única providência que as autoridades tomam é o resgate das vítimas da tragédia anunciada a cada verão chuvoso. Já está na hora de os nossos governantes começarem a tomar providência tão logo as águas de março fechem o verão. Assim, em 2012, a gente não volte a contabilizar corpos de brasileiros esquecidos nos morros devastados pela falta de planejamento habitacional e ambiental.

sábado, 15 de janeiro de 2011

My last Picture Shows

Cybill Shepherd em A última Sessão de Cinema
O cinema entrou na minha vida pela porta da Basílica Velha de Aparecida. Ser um garoto nos anos 60 na minha cidade significava frequentar o catecismo e assistir às missas do domingo. Quem o fizesse, ganhava um ingresso para a matinê do domingo às três da tarde. Ao final da missa, formávamos uma fila e Glória, nossa catequista, distribuía aquele precioso tesouro que nos levava a sonhar lá no Cine Aparecida. O filme do domingo era sempre precedido por seriados do Roy Rogers ou Nacional Kid, que continuavam na semana seguinte. Na maioria das vezes eram bem mais saborosos que o prato principal.

Na adolescência migrávamos para o Cine Ópera. Antes do início da sessão, fazíamos hora no Ouro Fino para um café, o mesmo point da pizza após a sessão. Neste cinema, cheguei a ver Mazzaropi na tela e ao vivo. Sim, ele foi promover um filme no Cine Ópera e lá estava eu espremido junto com metade da cidade. Lembro da cena do nosso Jeca entrando no palco caminhando como seus personagens e levando a platéia à loucura.

Em 1972, no mesmo Cine Ópera vi A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show), de Peter Bogdanovich. Naquele momento o filme entrou para a galeria dos meus prediletos, aliás, passou a figurar como o melhor que eu havia visto até então. Saí da sessão e as imagens me acompanharam por um bom tempo. Não tirava da cabeça a loirinha Cybill Shepherd, a futura gata de A Gata e o Rato. Por um bom tempo ela povoou os meus devaneios.

O que mais me chamou a atenção em A Última Sessão de Cinema foi o fechamento do Royal Theater – o cinema onde viviam os personagens antes de deixarem a pequena Anarene, cidade do Texas onde se passa a história. A falta daquele público fiel levou à inevitável última sessão de cinema do título.

Para mim seria inconcebível que um dia o mesmo ocorresse com os cines Aparecida e Ópera. Infelizmente aconteceu. Os dois cinemas da minha infância e juventude não existem mais. Eles fecharam bem depois que deixei a cidade rumo a São Paulo, em 1973. O Cine Aparecida se tornou uma extensão da Basílica, como casa de oração. O Ouro Fino continua no mesmo lugar, mas Cine Ópera deu lugar a uma agência da Nossa Caixa. Hoje, não existe nenhum cinema em Aparecida e os apaixonados pela sétima arte têm que recorrer a um shopping em Guaratinguetá, pois lá também os cines Central e Urânio se transformaram em duas mega lojas.

Quando cheguei a São Paulo me empanturrei. De pronto tracei um mapa e passei a frequentar os melhores cinemas da cidade: os cines Gazeta, Gazetinha e Gazetão; Cine Marachá, que às quartas-feiras apresenta Sessão Insólita e às sextas a Sessão Maldita; Cine Astor; Cine Paulistano e Biarritz, na Brigadeiro; Cine Majestic; o lindo Cine Bristol (que pegou fogo em 1987) com suas escadas sempre enceradas e suas armaduras na decoração; e o Belas Artes. Este último um dos meus prediletos, pois sempre cuidou de exibir uma programação impecável. Como no Cine Ópera, em Aparecida, nos anos 80/90 fazíamos ponto antes e depois da sessão no Baguette, do Hércules e João Pedro, ou na Livraria Belas Artes, de José Luiz Goldfarb.

O tempo, a TV e as locadoras foram aos pouco – como o Schwarzenegger – exterminando os nossos cinemas de rua. As salas foram sendo entrincheirados nos shoppings da cidade e as antigas salas transformadas em bingo ou igrejas evangélicas. O Belas Artes foi um dos que resistiram bravamente lá na esquina da Consolação com a Paulista... até esta esquina de 2011. A notícia de seu fechamento e as correntes para que isso não ocorra tomam conta dos amantes daquele espaço, no qual me incluo. O Belas Artes não pode fechar apenas pela ganância de Flávio Maluf, o atual herdeiro, que deseja abrir lojas no local. Será que este exterminador de cinemas – que deve ter muitas posses – não consegue viver com o aluguel (que não deve ser barato) do espaço?

Senhor Flávio Maluf, não pense em sua esquina apenas como um ponto comercial. Lembre que o Belas Artes é parte integrante da vida cultural da nossa cidade. Pare um pouco e pense. Por que o senhor não desiste de suas lojas? Se o senhor voltar atrás, com certeza será lembrado no futuro como o cidadão que salvou uma das trincheiras culturais mais importantes da cidade.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Eu já estou com o pé nesta estrada...

Estrada Real: uma estrada vazia e sem pedágios.
... Qualquer dia a gente se vê, sei que nada será como antes, amanhã...

Depois de três semanas de férias entre Natal e a primeira semana de janeiro, a reentrada na atmosfera foi bastante traumática. A volta ao trabalho e aos congestionamentos, acentuados pela intensa chuva deste início de ano em São Paulo, fizeram com que eu empurrasse para hoje o relato final da viagem. Mesmo porque o blog continua e outros assuntos tomarão o lugar da aventura mineira. Vamos lá então pegar a reta final, quando nós botamos o pé na estrada com o Nada Será Como Antes, de Milton e Ronaldo Bastos, rumo ao nosso cotidiano em Sampa.

No nosso último dia em Tiradentes – domingo, 2 de janeiro – reservamos nosso tempo conferir os últimos locais que havíamos anotado para conhecer. O atelier da artista plástica Lyria Palombini foi um deles. Cláudia já conhecia o trabalho da artista há mais de 20 anos. Ficamos lá um bom tempo admirando o irretocável e belo trabalho da artista, especializada em xilogravuras. Trouxemos algumas gravuras para nossa casa. No resto do tempo, corremos as lojas de artesanato e também da chuva que não deu trégua.

Lá pelo meio da tarde a cidade começou a se esvaziar de turistas e então ficou muito mais agradável caminhar por suas ruas sem aquele monte de carro pra lá e pra cá. Aliás, não entendo o porquê de as pessoas circularem tanto de carro pela pequena Tiradentes. Voltamos para a Villa Paolucci no início da noite para fazer as malas, abrir o vinho e chamar a pizza. Nessa ordem. Com tudo pronto, deixamos de fora apenas as roupas que usaríamos na viagem de volta no dia seguinte.

Após o café da manhã da segunda, 3, ligamos corretamente o GPS para fazer o caminho de volta para São Paulo pela mesma roda da vinda. Embora o caminho seja mais curto, decidimos não voltar pela Fernão Dias para não ter que enfrentar o estresse de dirigir na chuva ao lado de caminhões, ônibus e muito carro. A nossa Estrada Real, embora com mão dupla, é bem vazia e a paisagem é linda.

Paramos para almoçar no Cavalo de Ferro, em Pouso Alto. Aquele simpático restaurante-café-loja-de-artesanato onde paramos na ida para um café. Lá estava a espanhola Rosário. Sugeriu o cardápio e, enquanto a cozinha trabalhava, falou muito sobre sua vida, sua Madrid e sobre o seu simpático estabelecimento. Após o almoço, nos abastecemos de queijos, doces e pimentas e voltamos para os últimos quilômetros da Estrada Real. Havíamos decidido fazer um pit stop em Aparecida para ver a família, tomar um café e descansar um pouco até pegar a Dutra rumo a São Paulo.

Chegamos em Aparecida por volta das três. Depois cumpridas as visitas familiares, tomamos o rumo de casa. Um dos prazeres de toda viagem é a chegada em casa, ao computador, aos livros, filmes e discos. É como chegar à terra firme depois de tanto navegar.

Faltou dizer que dirigimos por cerca de 1.300 quilômetros entre Aparecida e Ouro Preto. Meu leitor consegue imaginar por quantos pedágios passamos? Se disser NENHUM acertou em cheio. Já no trajeto Aparecida-São Paulo, o motorista tem que pagar cinco pedágios na ida e cinco na volta. Em junho fui para Viradouro, pouco pra lá de Ribeirão Preto, distante 422 quilômetros de São Paulo. Passei por 18 pedágios e gastei um total de R$ 114,00. Não entendi porque em Minas Gerais você anda 1.300 quilômetros e não paga nada. Mistério.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Coração americano acordei de um sonho estranho...

A "foto da viagem" clicada por Cláudia
... Um gosto, vidro e corte um sabor de chocolate...

Deixamos Ouro Preto no dia 31 de manhã com chuva. Tiradentes seria a nossa última parada, o nosso Réveillon. Como fizemos durante toda a viagem, ligamos o GPS. Sem querer, Cláudia apertou um botão em que o aparelho sugere o caminho mais curto. E lá fomos nós seguindo a voz guia: a duzentos metros pegue a direita; siga em frente por cinco quilômetros; a quinhentos metros vire à esquerda. O caminho mais curto nos botou numa estradinha linda até um pequeno povoado... com Milton cantando outro clássico do Clube de Esquina: San Vicente, parceria de Bituca com Fernando Brant.

De repente a estrada e o lugarejo chegaram ao fim da linha e o GPS ficou sem sinal. Como vamos para Tiradentes? É só seguir em frente, mas a estrada não é muito boa, nos informou um morador. Quantos quilômetros? São 45. Bem, teoricamente, pelo GPS, ganharíamos alguns quilômetros. Vamos nessa. Só que a estradinha “não muito boa” não era só “não muito boa”. Era esburacada e de lama, acentuada pela chuva dos últimos dias.

Seguimos em frente sacolejando numa fantástica velocidade que variou entre 20/40 quilômetros por hora. No trajeto, cruzamos apenas com um motoqueiro praticando MotoCross – o local é ideal para este tipo de esporte – e alguns vaqueiros conduzindo o rebanho. Foram eles que nos informaram que ainda faltavam ainda 27 quilômetros para o final do tormento.

As horas não se contavam e o que era negro anoiteceu... Meia hora depois chegamos à “estrada mais longa” que o GPS não havia indicado – a mesma que nos levou a Ouro Preto. Saímos do barro para o asfalto e a placa indicava São João Del-Rei a 10 quilômetros em de lá, mais 15 até Tiradentes e à Villa Paolucci, uma linda fazenda colonial transformada em pousada.

Deixamos o carro na pousada e fomos a pé para a cidade... com o fiel guarda-chuva. Fizemos o primeiro giro com a chuva aumentando cada vez mais. Para nos localizarmos, passamos pelo Theatro da Villa, o restaurante que havíamos reservado com um mês de antecedência para a nossa ceia de Ano Novo. Estava fechado e somente às 9 da noite conheceríamos o belo espaço que oferece a seus clientes sugestões criativas como a perdiz recheada de vitela em redução de vinho do Porto com escalope de foie grás; filé mignon de javali ao molho de cacau e cogumelos silvestres; e o filé de linguado sobre ragu de lagostim e alcachofra ao molho de laranja.

Fomos os primeiros a chegar. Antes de escolher nossa mesa, um dos proprietários nos mostrou todos os detalhes: a decoração, a cozinha, o local de fumantes e, por fim, a nossa mesa. Abrimos um tinto e meia hora depois começaram a chegar os demais clientes. No Theatro da Villa passamos a nossa noite, com direito a ver, através da janela, os fogos que pipocavam lá na praça principal da cidade. Inesquecível esse lugar, que é parada obrigatória para quem visitar Tiradentes.

No dia 1 de janeiro de 2011 fomos para Bichinho. Achei curioso o nome do lugar. Nunca ouvira falar dele. Lá descobri que aquele distrito conhecido pelo nome de “Bichinho” foi fundado por Vitoriano Gonçalves Veloso, o único inconfidente negro que se tem notícia. Depois da chegada do artista plástico Antonio Carlos Bech, o Toti, há 20 anos, seus habitantes tornaram-se artesãos e se orgulham disso. A criatividade e simplicidade deles chamam a atenção dos visitantes. As peças e pinturas nascem do aproveitamento de material de demolição, madeira, ferro, lata, plásticos e tecidos de algodão. Bichinho fica a 7 km de Tiradentes. Lá almoçamos no Tempero da Beth, um dos restaurantes mais deliciosos da viagem.

Voltamos no final da tarde para a Villa Paolucci exaustos. Saímos apenas para buscar uma pizza e o vinho. Desmaiamos. Na alta madrugada Cláudia me acorda assustada. Tem gente querendo invadir o nosso chalé. Dei um pulo e tentei identificar o barulho. Não vinha da porta e sim do teto. Imaginei: uma pousada no mato, só pode ter algum animal alojado no forro, pois o barulho era como se algum animal estivesse tentando furá-lo. Como não vi nenhum buraco ameaçador, voltamos a dormir.

No dia seguinte, no café da manhã, contamos para o garçom Cláudio o ocorrido e que eles precisavam descobrir quem morava no forro do nosso chalé. Ele abriu um sorriso e disse: são os patos. Patos? Sim, à entrada da pousada tem um lago repleto de patos e o que eles mais adoram fazer é voar até o telhado dos chalés. O mistério não só foi resolvido como pudemos ver uma turminha deles passeando durante o dia pelo teto de outros chalés. Ufa!

Amanhã o blog conta o final da nossa viagem.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Para quem quer se soltar...

O clic de Cláudia para o "Pirulito que bate bate... "
...invento o cais, invento mais que a solidão me dá...

Como disse ontem, chegamos ao centro de Ouro Preto no final da tarde do dia 28 e, também como disse, o CD Clube de Esquina foi a trilha da nossa viagem. Então, Cais, de Milton e Ronaldo Bastos, também nos embalou na Estrada Real no caminho do ouro, sobretudo o tema instrumental ao final da música com o solo ao piano de Wagner Tiso. Este mesmo tema foi suntuosamente orquestrado por Elmir Deodato no final de Um gosto de sol, também da dupla.

A chuva apertou e ficamos pouco. O tempo suficiente para fazer o reconhecimento do terreno no entorno da Praça Tiradentes e escolher o Bené da Flauta, restaurante onde voltaríamos para o jantar às 9 da noite na companhia do DJ Paulo Sakae Tahira, sua mulher Cris e seu filho Benjamin. Nós os conhecemos assim que voltamos para a Sinhá Olympia. Numa das confortáveis salas da pousada havia revistas, livros de arte... e um violão. Não resisti. Afinei-o e fui para a varanda em frente à piscina. Cláudia e eu desfiávamos nosso repertório quando Paulão, Cris e o pequeno Benjamin se aproximaram.

A música foi o primeiro elemento de aproximação dos casais, mas descobriríamos outras afinidades. De pronto, combinamos jantar lá no Bené da Flauta. Como este mundo é mesmo uma pequena aldeia, descobri que Cris trabalhou na fase de instalação do Museu da Língua Portuguesa, onde hoje trabalho. Ou seja, ela conhece um monte de gente que eu conheço.

A pasta do Bené estava espetacular e o vinho nem falar. Duas garrafas de tinto embalaram os nossos papos noiteadentro. Saímos do restaurante quase meia-noite com um chuvão danado, que prosseguiu até a manhã do dia seguinte, quando partimos para um bate e volta em Mariana.

A chuva ia e vinha, o sol aparecia e sumia. Nosso passeio em Mariana aconteceu neste clima. Ficamos na cidade durante quatro horas, o bastante para percorrer as ruas e conhecer as igrejas. Na de São Pedro dos Clérigos, localizada no alto da Colina de São Pedro, subimos até o sino de onde se avista toda a cidade. Ela é uma das três igrejas barrocas de Minas com plano em redondo, característica revolucionária para a época em que foi construída, em 1752.

Almoçamos no simpático Lua Cheia, restaurante instalado em um casarão do século XIX com grande variedade em saladas e pratos quentes, culinária típica mineira. Depois da sobremesa voltamos para Ouro Preto, demos um novo giro pela cidade e voltamos para a Dona Olympia. Decidimos não sair para jantar. Pedimos uma pizza e enquanto comíamos fomos desafiados por dois hóspedes para uma partida de buraco. Fechado. A nossa dupla ganhou, é claro. Ao final da partida chegaram Paulão, Cris e Benjamim. Abrimos uma garrafa e meia de tinto e trocamos mais histórias até a meia-noite.

No nosso último dia em Ouro Preto contratamos o Edmar, o simpático e falante-mais-que-papagaio guia turístico. A princípio ele se espantou por não fazermos o trajeto de carro. Dissemos que queríamos caminhar. Coitado. Acho que nunca andou tanto e com um casal super curioso que queria ver todos os detalhes e parar em tudo quanto é lugar. O passeio começou às onze da manhã e terminou às quatro da tarde. Edmar é doutor em Ouro Preto. Contou tudo e nos levou até uma mina do século XVIII. Embora um tanto claustrofóbica, Cláudia enfrentou valentemente os 160 metros disponíveis à visitação.

Eu não tenho este problema, mas confesso que lá no fundo, vez ou outra, meu pensamento me levava até os mineiros do Chile que ficaram naquela escuridão aqueles meses todos. Para me confortar, rapidamente eu recorria à poesia do Drummond falando sobre a sua Itabira do Mato Dentro: “eu também sou filho da mineração e tenho os olhos vacilantes quando saio da escura galeria para o dia claro.”

Deixamos Edmar na praça e fomos às compras das lembrancinhas. Para enfeitar a minha estante, trouxe uma namoradeira – um dos mimos mais típicos da região. Soubemos depois, em Bichinho, que ela é uma das criações do artista plástico Antonio Carlos Bech, o como Toti. Ele é de São Paulo, chegou ao lugarejo há 20 anos e transformou o lugar. Ensinou boa parte da população a trabalhar com o artesanato e montou a sua Oficina de Agosto. Mas esta história é para o post de amanhã, quando partiremos para Tiradentes, a cidade escolhida para o nosso Réveillon.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ê morena quem temperou...

...Cigana quem temperou o cheiro do cravo... e a comida mineira. Ê trem bão!

A nossa viagem foi temperada pela deliciosa culinária das Gerais e a música Cravo e Canela, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos – o segundo tema da nossa trilha sonora on the road. Era a sexta faixa do CD e toda vez que chegava no ponto, aumentávamos o volume e soltávamos a voz na estrada com Milton Nascimento. Invariavelmente, repetíamos a faixa duas, três vezes.

A mesa do café da manhã na Pousada Magnólia, em São João Del-Rei, estava uma beleza: pão de queijo quentinho, cereais, queijo minas de Minas, bolos fofos de fubá e laranja, frutas e sucos frescos e saborosos. Deixamos a mesa às 10 e pegamos a estrada. Próxima parada: Congonhas.

No caminho passamos por Lagoa Dourada, Entre Rios de Minas e São Brás do Suaçaí. Achei o nome desta última cidade um tanto esquisito. Então, minha curiosidade me levou até o site oficial da cidade e descobri que São Brás do Suaçuí tem 3.278 habitantes e o amor à música é o traço marcante de sua pequena população. A cidade é conhecida na região pelo grande talento e vocação do seu povo para a música, tradição que é mantida pela banda União Musical Santa Cecília e a Escola de Música de São Brás do Suaçuí. Na próxima vez que estiver por aquelas bandas terei que fazer um pit stop nesta cidade musical no caminho do ouro.

Chegamos a Congonhas por volta do meio-dia. Pouco vimos da cidade, pois nos concentramos no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos construído em várias etapas, nos séculos XVIII e XIX, por vários mestres, artesãos e pintores, entre eles Aleijadinho e Manuel da Costa Ataíde. Lá estão os 12 profetas que conhecia de fotos. Vê-los de perto foi uma só emoção. Pena que não deu para fotografar a igreja em todo o seu conjunto, pois em uma tenda à direita especialistas tiravam o molde em gesso de um dos profetas. Eles serão reproduzidos com destino a um museu. Incrível saber que os profetas estão lá há três séculos testemunhando as muitas histórias que o Brasil viveu desde sua criação por Aleijadinho.

Almoçamos num restaurante indicado pelo posto turístico logo na entrada da cidade. Foi o único senão gastronômico da viagem. A refeição não foi tão boa como as que faríamos nos dias seguintes. Quando saímos foi que percebemos que logo em frente havia um mais charmoso e, com certeza, com uma culinária bem melhor da que havíamos terminado de degustar.

Lá pelas duas da tarde retornamos à Estrada Real rumo a Ouro Preto. Antes cruzamos Ouro Branco, que não tem nada a ver com a primeira, onde abastecemos o carro e prosseguimos até a Pousada Sinhá Olympia. Mais tarde saberíamos que entre os anos 50 e 70 Dona Olympia ou Sinhá Olympia circulava pelas ladeiras da cidade com suas roupas coloridas, chapéu florido, cajado na mão e um cigarro na boca; e também que foi retratada por fotógrafos e pintores; serviu de inspiração para músicos; e até foi tema de desfile da Mangueira, em 1990. Toninho Horta e Ronaldo Bastos compuseram a bela Dona Olímpia “Vai e não esquece de chorar. Vê se não esquece de mentir. Dizer até manhã e não regressar mais...”

Depois de digirir por 500 quilômetros por uma estrada linda, porém com mão dupla, nada com deixar o carro na garagem do hotel e caminhar. A Pousada Sinhá Olympia tem um serviço maravilhoso. Um funcionário da recepção deixa os hóspedes no centro da cidade e depois a gente volta de táxi. Perfeito, porque dirigir por aquelas ladeiras com aquela chuva é uma missão quase impossível, além do incoveniente de ter que estacionar naquelas ruazinhas estreitas.

Antes de sair, tomamos o delicioso chá da tarde – como o café da manhã – incluído no pacote da hospedagem. Todos os hotéis deveriam se espelhar neste serviço. É claro que está embutido no preço da diária, mas para os hóspedes soa como um serviço cortesia e o chá com bolos e rosquinhas fica muito mais saboroso.

Bem, quanto ao quando chegamos ao centro da cidade... fica para o post de amanhã, senão este ficará muito extenso. Mas não posso deixar de comentar um e-mail que recebi hoje sobre a primeira parte desta nossa aventura minheira. Em seu PS: meu leitor disse “agora quero ler "Brasil: uma História – Cinco séculos de um país em construção". Que delícia saber que o blog incentivou a leitura deste belo livro. Será que o Eduardo Bueno também leu?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Com sol e chuva...

Igreja de São Francisco em São João Del Rey
Você sonhava que ia ser melhor, depois você queria ser o grande herói das estradas. Tudo que você queria ser...

Saímos de Aparecida no dia 27 de dezembro às 10 da manhã rumo ao caminho do ouro: São João Del-Rei, Congonhas, Ouro Preto e Tiradentes. Pegamos a Estrada Real em Cruzeiro. Quando entramos no território mineiro, colocamos o CD Clube de Esquina,
“obra que está para a MPB como Sargent Peppers, dos Beatles, está para a história da música do século XX”, opinião do DJ Paulão Sakae Tahira, que conheceríamos na simpática pousada Dona Olímpia, em Ouro Preto dois dias depois. Passei a concordar com Paulão, após ouvir diversas vezes esta pérola produzida por aquele clube de Três Pontas, capitaneado por Milton Nascimento.

Tudo Que Você Podia Ser, de Márcio e Lô Borges, foi o tema principal da trilha sonora da nossa viagem, sobretudo pelo seu começo: com sol e chuva. A viagem toda transcorreu com muita chuva e pouco sol. Mas não importa não faz mal... Cláudia e eu pouco nos importamos com a chuva intermitente que castigou o sudeste nesta passagem de ano. Concluímos que com muito sol talvez as nossas caminhadas pelas ladeiras de Ouro Preto seriam muito mais cansativas.

A primeira parada foi no Cavalo de Ferro, um simpático restaurante-café-loja-de-artesanato em Pouso Alto. Tomamos café na ida e almoçamos na volta, trazendo na bagagem queijos e doces da região. Tentei imaginar o motivo que fez a espanhola Rosário deixar Madrid para abrir aquela estalagem à beira da Estrada Real. Será que ela também veio em busca do ouro, como aqueles mineiros do início do século XVII? Ou será que ela descobriu que ouro foi exaurido e em seu lugar brotaram as incríveis cidades que conheceríamos em breve?

O melhor guia da nossa viagem pelas nossas cidades históricas do ciclo do ouro foi o meu presente de Natal. Ganhei o delicioso Brasil: uma História – Cinco séculos de um país em construção, de Eduardo Bueno. Sempre que voltávamos às pousadas, enquanto o corpo descansava das longas caminhadas, os olhos me contavam os detalhes da história do Brasil que Bueno tão bem descreve. Por que os livros de história do meu ginásio não tinham um texto tão saboroso? Cheguei até o Brasil Holandês, mas não pude deixar minha curiosidade saltar algumas páginas e dar uma esticadinha até a Inconfidência Mineira. Afinal, pela primeira vez eu estava lá naquelas cidades onde tudo foi tramado e tudo desfeito para ganhar as páginas da história. Bueno fala até da Marília de Dirceu, poema que, por motivos óbvios, sempre esteve na minha estante.

Chegamos a São João Del-Rei no início da tarde não sem antes passar por dentro de simpáticas cidades como Caxambu, Cruzília, Minduri e São Vicente de Minas. São João não é tão suntuosa quanto Ouro Preto e Tiradentes, mas tem um centro histórico bem preservado e uma pousada muito gostosa. Deixamos as malas na Pousada Magnólia, ao lado da Igreja de São Francisco de Assis, onde jaz Tancredo Neves, e fomos correr a cidade. A chuva, é claro, atrapalhou um pouco e tivemos que fazer o primeiro investimento da viagem: um guarda-chuva. O segundo seria uma capa transparente para a Cláudia em Tiradentes, menos para protegê-la da chuva e mais para agasalhá-la, posto que não levara nenhuma blusa de frio. Sim fez um friozinho chato sob aquela chuva intermitente que persistiu até depois do Réveillon.

Depois do giro pelo centro velho, paramos no restaurante Velho Chico, no largo em frente à matriz. Pedimos uma cerveja gelada e uns petiscos e começamos a tirar fotos, até que Juliana se ofereceu para fotografar o casal. Descansou seu copo de cerveja na mesa e depois do clic, se juntou a nós. Meia hora depois éramos amigos de infância. A simpática mineira acabava de retornar à sua cidade e o Velho Chico era seu restaurante predileto. Soubemos por ela muito mais que nos diriam os guias turístico. Juliana nos falou sobre o espetáculo que é a Semana Santa em São João. Faremos de tudo para não perder esta festa..

Após o papo e as cervejas, retornamos à pousada para descansar, tomar um banho e voltar ao Velho Chico às 9 da noite para o jantar. Saímos com o nosso inseparável guarda-chuva, pois àquela altura a chuva, embora bem fininha, molhava. Atravessamos a praça e lá continuava Juliana com o copo na mão. Ela não fora embora e acabou ficando com a gente até 11 da noite, quando retornamos para o sono profundo do primeiro dia de viagem, e ela ficou, sabe-se lá até que horas. No restaurante encontrei com o amigo Sérgio, dos tempos da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo.

Voltamos à Magnólia. O dia tinha sido muito comprido. Desmaiamos. No dia seguinte, após o café da manhã, retornaríamos à Estrada Real... com sol e chuva.

A viagem no blog continua amanhã. Agora vou voltar às paginas de Eduardo Bueno. Ainda tenho alguns séculos da nossa história para revisitar.