sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Meu padrinho de casamento

Estava todo mundo na igreja. Todo mundo? Dona Mariquinha, a tia da noiva enfiada num vestido rosa choque que realçava seu corpanzil de oitenta e poucos quilos, distribuídos por seus pouco mais de um metro e cinquenta e cinco. Mariquinha, é claro, ao lado do marido Tibúrcio, empertigado num terno preto sovado de tanto casório e velório.

Estavam também os pais da noiva, que não cabiam em contentamento por, finalmente, terem desencalhado Admirada, a solteirona mais comentada da cidade. Desde que o Pedrão fugiu, há 15 anos, com Chiquinha, sua melhor amiga, caiu em desgosto e vergonha que só saía de casa para a missa do domingo, enterro e batizado. Casório nem falar, pois Admirada desatava a chorar.

O seu Juca do Açougue Boi na Hora era um riso só, de orelha a orelha, pois o churrasco para 150 convidados foi encomendado pessoalmente por seu Justino e dona Marilu, sob supervisão de Sidão, o melhor churrasqueiro da região. Seu Cícero padeiro também. Trabalhou em turno e returno para produzir todas as receitas que tinha aprendido com o confeiteiro Alexandre, antes que este fugisse com sua mulher naquela noite em que fingiu um febrão às vésperas do casamento de Rafael, o caçula de seu Justino. Seu Cícero perdeu a mulher, mas ficou com as receitas que fizeram a sua fama e fortuna: as rosquinhas do corno!

O seu Arnaldo do armarinho também fez questão de comparecer, pois os apliques para o vestido de Admirada foram comprados em seu estabelecimento. A costureira Mirtes era a mais exausta, pois também tivera que varar muitas noites na última semana para vestir quase metade da igreja; o seu Emílio marceneiro disfarçou num cantinho, pois ainda não havia terminado os móveis de Maurício e Dora, que haviam se casado há dois meses. Imagine, então os dos nubentes de daqui a pouco?

Até seu prefeito Alfredão, eleito com o slogan Alfredão é a solução, fez questão de comparecer, pois seu Justino foi um dos maiores contribuintes da sua campanha. A primeira dama Anunciata, para variar, se sentia a própria rainha da Inglaterra. Só faltava o cetro e coroa, porque o seu modelito, mandado vir da capital para a efeméride – pagos com o dinheiro dos contribuintes – foi o comentário de A Semana.

Estava todo mundo na igreja. Todo mundo? No altar: o padre Gervásio, a mãe da noiva, os padrinhos da noiva, o padrinho do noi... ué? Cadê o padrinho do noivo?

Calma pessoal, nada de pânico. Ele já foi meu padrinho duas vezes – deixou escapar sem querer o noivo. O quêêêêêêêêêêêê!!!! Exclamaram e uníssono o poder municipal, o clero, a família e os convidados.

Não, eu não quis dizer isso. É que eu estou nervoso. Quis dizer que ele já foi padrinho pelo menos em duas ocasiões, que eu presenciei. O Gê Gê sempre estava lá, sem dar mancada.

Olha aqui rapaz, eu sempre desconfiei de você. Só deixei casar com minha Admirada porque não aguento a tristeza dela – gritou seu Justino do fundo da igreja esperando o momento de conduzir a filha pelo tapete vermelho. 

O que é isso seu Justino. Desde que cheguei aqui na cidade tenho provado para o senhor e dona Marilu que as minhas intenções com a Admirada são as melhores possíveis.

É, mas este padrinho que você arranjou, que nem é daqui, que até agora não chegou... não sei não. Nunca vi padrinho atrasar. O que faz esse tal Gê Gê, que você fez tanta questão de convidar?

Do lado de fora, impaciente, Admirada, que não aguentava de dor no pé por causa do salto 14, ficou curiosa com o burburinho que vinha lá de dentro. Tia Alice se apressou. – Fica tranquila Admirada. É o tal Gê Gê que ainda não chegou. 

Admirada ensaiou um choro de desmanchar pintura, mas tia Alice acudiu rapidinho. Linda da titia, se ele não chegar seu tio Rodrigo testemunha. E é isso mesmo que ele vai fazer. Rodrigo, você vai ser o padrinho do noivo. Já para o altar. Dito e feito. A noiva entrou na igreja ao som de A time for us. Seu Justino entregou  a noiva para o quase futuro genro e o padre Gervásio iniciou  a cerimônia.

Na hora do fatídico: existe alguém entre os presentes que... o silêncio natural deste momento foi quebrado por uma voz apressada que veio lá do fundo da igreja. – Seu padre, casa ele ainda não. O noivo, mais branco que o vestido da noiva, voltou-se junto com todos os presentes para aquele sujeito de cabelo e cavanhaque brancos que vinha ofegante em direção do altar.

Calma pessoal, eu sou o Gê Gê e não podia, mais uma vez, deixar de ser o padrinho de casamento deste amigão.

Da série: lá no fundo do meu baú para o meu amigo Genildo Fonseca, o Gê Gê.

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